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Carta ao Presidente Lula sobe Mudanças Climáticas e COP-11 (26/08/2005)


Brasília, 26 de agosto de 2005

Ao Exmo. Sr.
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República
Palácio do Planalto.
lula@planalto.gov.br - pr@planalto.gov.br
Fax: 3411-2222

CC:
Exma. Sra. Marina Silva
Ministra de Meio Ambiente (MMA)
marina.silva@mma.gov.br
Fone: 400 -1422. Fax: 3226-7101

Exmo Sr. Celso Amorim
Ministro de Relações Exteriores (MRE)
celsoamorim@mre.gov.br
Fone: 3411-6801. Fax: 3411-6993

Exmo. Sr. Sergio Rezende
Ministro de Ciências e Tecnologia (MCT)
gandrade@mct.gov.br
Fone: 3317-7505. Fax: 3317-7769


Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Uma série de importantes encontros internacionais acontecerá até o final do ano de 2005, nos quais serão definidos quais os caminhos e esforços a serem adotados no sentido de prevenir perigosas mudanças climáticas, hoje amplamente reconhecidas como o mais sério e difícil desafio a ser enfrentado pela comunidade global.

Recentemente, o governo do Brasil esteve representado em uma reunião realizada na Groenlândia, na qual o Ministério de Relações Exteriores do país anfitrião, a Dinamarca, ressaltou que nós temos menos de duas décadas para transformar as economias das sociedades de modo a torná-las menos dependentes do uso de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão). Para que isso seja possível, é necessário fortalecer o regime internacional de mudança de clima e os esforços efetivos de todos os países comprometidos com a prevenção das alterações catastróficas do sistema climático.

São muitas e diferentes as posições e preocupações envolvendo o período pós-2012 sobre o regime de mudanças climáticas, logo após o término do primeiro período de compromisso definido no Protocolo de Quioto. Durante esses encontros os representantes de diversos países deverão enfrentar uma escolha clara e inevitável: ou manter e desenvolver as conquistas e arranjos institucionais incorporados no Protocolo de Quioto, ou então abandonar e desconsiderar todos os esforços realizados nos últimos 10 anos junto a este instrumento internacional, substituindo o Protocolo pela negociação de um novo regime.

Para nós, representantes de organizações da sociedade civil, e muitos dos quais acompanham as negociações climáticas desde o final da década de 80, a escolha é clara. A comunidade global deve resistir aos esforços do Presidente George W. Bush e de outros interesses contrários à tomada urgente de ações necessárias no âmbito do regime internacional vigente para a redução das emissões de gases do efeito estufa e impedir uma catástrofe climática iminente.

Nós o encorajamos a manter seu forte apoio ao Protocolo de Quioto e a sua adoção como base para as negociações do período pós-2012, bem como solicitamos que recuse a participação em qualquer processo ou diálogo sobre pós-2012 que não incorpore e apóie a estrutura básica de Quioto, especialmente no caso de compromissos contínuos e efetivos com relação a maiores reduções absolutas de emissões para os países do Anexo B.

Para que um regime global sobre mudanças climáticas possa atender o objetivo final da Convenção Quadro de Mudança de Clima (UNFCCC) - isto é, prevenir uma interferência antrópica perigosa no sistema climático - ele deverá:

" Garantir que o aumento médio de temperatura permaneça o máximo possível abaixo de 2ºC, o que requer restringir as concentrações atmosféricas de CO2 equivalente dos atuais 380 ppm para entre 400 e 450 ppm;
" Garantir que o pico de emissões de gases de efeito estufa aconteça ao redor do ano de 2020, e não além dessa data, e que seja seguido pelo inicio de declínio nas emissões de CO2;
" Requerer que países industrializados comecem a reduzir os seus níveis de emissões absolutas em curto prazo. Desta maneira, os países em desenvolvimento terão um prazo maior para atingir as suas necessidades de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que possam criar as condições para nivelarem suas emissões e então reduzi-las dentro de um maior espaço de tempo;
" Aumentar progressivamente os compromissos de redução e estendê-los a outros países, de maneira a respeitar princípios fundamentais como eqüidade, responsabilidades diferenciadas e capacidades nacionais, mantendo, entretanto, a flexibilidade necessária aos processos de negociação;
" Providenciar mecanismos que possibilitem a troca de tecnologias, financiamentos e outros recursos, de maneira a garantir que todos os países, não importando quais forem os seus compromissos, possam implementar sistemas de energias limpas e atingir melhores níveis de desenvolvimento com baixa emissão de gases de efeito estufa.

O Protocolo de Quioto fornece estrutura sob a qual é possível atingirmos os objetivos acima listados. Contém a meta absoluta de redução de emissões para os países industrializados, referentes ao período de 2008 a 2012, e mecanismos para o cumprimento ("compliance"), além de definir o processo de negociação de compromissos futuros. Entretanto, depende apenas da vontade dos países em implementar as medidas necessárias.

Caso o Protocolo de Quioto seja desconsiderado para o período pós-2012, será impossível atingir muitos dos objetivos acima e estaremos praticamente garantindo que o planeta e a humanidade sofrerão os impactos perigosos das mudanças climáticas. Ao abandonarem o Protocolo de Quioto, as nações estarão jogando pela janela mais de 10 anos de negociações, atrasando desnecessariamente as ações primordiais para combater as mudanças climáticas. Mais gravemente, o abandono do Protocolo representará um aumento enorme de poder dos grandes opositores de um regime de clima efetivo, sendo o mais notório deles o presidente estadunidense George W. Bush.

Em troca de benefícios dúbios por se envolver com um governo que repetidamente tem mostrado seu desprezo por evidências científicas e por processos multilaterais, não apenas referentes às mudanças climáticas como também a uma série de outras questões, a comunidade internacional poderá estar abrindo mão da única chance concreta de efetivamente combater as mudanças climáticas no tempo necessário para prevenir um desastre climático. O atual presidente dos Estados Unidos declarou claramente que não está interessado em um regime de clima baseado no Protocolo de Quioto, ou que envolva metas claras de redução de emissões absolutas de CO2. Com isso fragilizaria inclusive a própria Convenção Quadro de Mudança de Clima.

Nesta ocasião, gostaríamos de ressaltar que estamos extremamente receosos a respeito do Fórum de Diálogo para discussão de mudanças climáticas entre os países do G8, incluindo os Estados Unidos, e países emergentes como o Brasil. O Fórum foi recentemente anunciado pelo Primeiro Ministro Britânico Tony Blair, ao final da Reunião de Cúpula do G8 em Gleneagles, estando já sua primeira reunião marcada para o próximo mês de novembro em Londres.

De fato, a mais útil contribuição sobre mudanças climáticas da recente reunião do G8 foi a de esclarecer a questão de que se o atual governo dos Estados Unidos iria se mover para além desta posição de resistência ao Protocolo de Quioto. A resposta com certeza é negativa, enquanto durar a administração atual. Assim, nesse novo Fórum, os Estados Unidos continuarão tendo poder de veto sobre qualquer progresso rumo a um regime efetivo para o período pós-2012, além de estarem em privilegiada e poderosa posição para mover as discussões em direção às suas alternativas preferidas, o que seria um desastre para o clima.

Apesar do Fórum de Diálogo ter como objetivo meritório a discussão sobre transferência e implementação de tecnologias limpas de energia, ele poderá ser usado por alguns países como uma alternativa ao cumprimento do Protocolo de Quioto, como foi recentemente anunciado na "Parceria Ásia-Pacífico para o Desenvolvimento Limpo e Clima". Portanto, ao invés de meramente emprestar a credibilidade brasileira sobre questões climáticas a este Fórum de Diálogo, o governo do Brasil deveria tomar as precauções para que o processo contribua para o aprimoramento do regime global e não seja tomado como uma alternativa substituta ao cumprimento do Protocolo de Quioto.

Nós também urgimos ao Senhor Excelentíssimo Presidente que direcione todos os esforços com o intuito de garantir um resultado positivo das CoP 11/CoP-MoP1 - a 11ª Conferência das Partes da UNFCCC e a 1ª Reunião das Partes do Protocolo de Quioto, a serem realizadas em Montreal no final deste ano. As CoP 11/CoP-MoP1 propiciarão oportunidades únicas, onde, sem a possibilidade de um veto efetivo dos Estados Unidos, os atuais signatários do Protocolo de Quioto poderão decidir sobre a forma do futuro regime do clima. O Brasil deverá utilizar de muita seriedade e de toda sua credibilidadepara garantir que o Protocolo de Quioto, para o qual o país fez instigantes contribuições no passado, possa ser levado adiante e muito além de 2012, garantindo desta maneira o potencial máximo para atingir os seus objetivos. Gostaríamos muito de ver o Brasil contribuir para um dos resultados positivos da CoP-11, que deveria ser a definição de um "Mandato de Montreal" para as negociações sobre as características do regime pós-2012.

Devemos, entretanto, ressaltar que existem alguns riscos na estratégia de deixar para fora desse acordo os Estados Unidos, tendo em vista que este país responde por mais de 20% da emissão mundial total de carbono. Mas este risco deve ser levado em conta quando comparado à possibilidade real de falharmos na prevenção do aquecimento do planeta caso o caminho proposto pelo governo estadunidense seja adotado. Ou seja, o caminho proposto pelos EUA é de muito maior risco para o planeta.

Vale também lembrarmos que, de fato, são grandes as chances de um novo governo estadunidense juntar-se novamente aos esforços internacionais para combater as mudanças climáticas. O atual governo dos EUA tem assumido posições cada vez mais contrárias e em dissonância com a opinião pública norte-americana e internacional, com o setor privado e com os governos estaduais e locais. E o senado estadunidense, que a princípio deveria aprovar quaisquer tratados internacionais, surpreendeu recentemente por chegar muito perto da aprovação do McCain-Lieberman Climate Stewardship Act, que propõe limites máximos de emissões absolutas de CO2, medidas às quais o presidente George W. Bush se opõe fortemente.

Nós gostaríamos de expressar, claramente, o nosso apoio à declaração dos líderes de Brasil, China, Índia, México e África do Sul na Cúpula de Gleneagles, quanto ao seu incisivo endosso do Protocolo de Quioto.

Cabe destacar que é de fundamental importância que o senhor aproveite todas as oportunidades para contribuir para o fortalecimento do regime de clima e do Protocolo de Quioto e garantir que a participação do Brasil em fóruns e diálogos sobre este tema contribua para este fim. Desta maneira, gostaríamos que o senhor deixasse claro aos países membros do G8 que o Brasil não tem nenhum interesse em se envolver em discussões do regime pós-2012 que não estejam baseadas na manutenção e no fortalecimento dos elementos principais do Protocolo de Quioto e na defesa de um regime multilateral climático justo e eficaz.

Atenciosamente,


Temístocles Marcelos Neto

Coordenação Nacional do FBOMS - Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.

Assinam as seguintes organizações:

" Grupo de Trabalho Mudanças Climáticas/FBOMS
" Observatório do Clima
" Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais - Coordenação Nacional
" Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz (SP)
" Instituto Ipanema - (RJ)
" Núcleo Amigos da Terra/Brasil (RS)
" Greenpeace Brasil (SP)
" WWF-Brasil (DF)