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Conferência Internacional sobre Água


CONFERENCIA INTERNACIONAL DE AGUA DOCE REALIZADA EM BONN NO PERIODO 3-7 DEZEMBRO DE 2001, INTITULADA AGUA: CHAVE PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO.

SUMARIO DAS ATIVIDADES DA CONFERENCIA E TEMAS TRATADOS PELAS ONGs

Relatora: MARIA DE LOURDES DAVIES DE FREITAS
diretora técnica do IMAH- Instituto do Desenvolvimento e de Gerenciamento do Meio Ambiente; membro da Aliança paraVisão 21; membro do Conselho consultivo das ONGs para a América Latina na Conferencia de Bonn; Membro do GT de Agua do Fórum Brasileiro das ONGs.


Antecedentes
Como parte das atividades desenvolvidas visando a realização da Rio+10 em setembro de 2002 em Joanesburgo, África do Sul, e conforme acordado na CSD- Comissão de Desenvolvimento Sustentado da ONU realizada em Nova York em 1997 e também pelo PREPCOM realizado em maio de 2001 em Nova York, o governo alemão organizou a Conferencia Internacional de Água Doce com especial enfoque para os pobres em Bonn no período 3- 7 dezembro de 2001.

Metodologia dos trabalhos
Durante uma semana em Bonn reuniram-se representantes de 118 governos com a presença de 46 ministros de estado e representantes de 47 organizações internacionais e delegados de 73 organizações dos chamados grupos principais reconhecidos pelas Nações Unidas como integrantes da sociedade civil. Foi uma reunião que pretendeu dar status igual de delegados tanto para os representantes de governo como para os representantes da sociedade civil.

A reunião, após abertura formal, promoveu duas sessões de uma tarde e uma manhã completando um dia inteiro dedicado ao Diálogo entre os representantes da sociedade civil e os representantes de governo e demais organizações credenciadas. Cada grupo da sociedade civil - ONGs, setor privado (comércio e indústria), sindicatos e trabalhadores em geral, governos locais, agricultores, crianças e jovens, populações tribais, ciência e tecnologia - tiveram a oportunidade de colocar suas posições perante os dois temas centrais da reunião que foram:
· Acesso à agua - (primeiro dia)
· Estratégias para gerenciamento de recursos hídricos - (segundo dia).

Após as intervenções iniciais de 15 minutos dos grupos citados acima o Diálogo foi aberto e facilitado para que os governos pudessem comentar o que ouviram e colocar suas posições, quando existentes, sobre as mesmas.

Um documento foi circulado após estes dois diálogos expressando os pontos de convergência e aqueles onde o consenso não foi atingido, minutado pelo facilitador desta parte da reunião.

Em seguida durante dois dias de trabalho todos os participantes foram solicitados a se inscrever em três grupos de trabalho sobre :
· Governança
· Mobilizando recursos financeiros
· Capacitação e conhecimento compartilhado

Previamente a todos foi distribuído e disponibilizado em inglês através de site da Internet www.water-2001.de farta literatura e documento encomendados a especialistas pelo governo alemão. Circulou também praticamente duas semanas antes do início do evento um documento em minuta sobre Recomendações para Ação . Este documento através da facilitadora Margareth Catley foi longamente discutido em um dia e meio de trabalho em plenário, após o evento dos três grupos de trabalho, na tentativa de obter consenso, opiniões diversas e acréscimos sobre os temas apresentados na minuta prévia.

Foram também realizados uma sessão de caráter privado para os ministros de estado presentes no dia 4 de dezembro e foi divulgado sem discussão com os demais presente à reunião uma Declaração Ministerial.

Por fim foi emitido pela facilitadora Margareth Catley um documento intitulado As Chaves de Bonn a partir dos temas mais importantes na montagem do documento final Recomendações para Ação. Foi realizada uma sessão de uma manhã dedicada ao tema de gênero e sua importância para os temas de água e saneamento, com relatório a parte. Os governos de 22 países africanos presentes emitiram uma Nota onde expõem seus pontos de vista sobre a reunião e os problemas de água no continente africano. As ONGs presentes também emitiram documento sumário após o Diálogo, complementado por uma Declaração Final ao encerramento do evento.

Toda esta documentação pode ser encontrada no site citado acima, sempre em inglês, sendo alguns textos encontrados em espanhol e francês.
Conteúdo temático dos assuntos de interesse das ONGs, avanços e pontos divergentes
As ONGs do Conselho Consultivo do Diálogo proposto juntamente com os representantes de outros grupos da sociedade civil começaram seus trabalhos cerca de hum ano antes do evento se comunicando através de rede formada para isto e teleconferencias que se realizaram ao longo do período, coordenados pela Wateraid/UNED Forum em Londres.

Estas teleconferencias no Brasil tiveram seus resumos publicados na internet através da colaboração da Aliança para Visão 21 que traduziu seu conteúdo para português e a divulgou em redes como Fórum das Aguas, rede GTGoiás e Jornal do Meio Ambiente. Realizou-se também uma consulta formal presencial na sede da FAMERJ /Rio de Janeiro em agosto de 2001e através da coordenação do evento Fórum das ONGs no IV Diálogo Interamericano das Águas realizado em Foz do Iguaçu em setembro de 2001 divulgou-se o tema da reunião, alem de outros locais como por ocasião do 15º Fórum Brasileiro das ONGs, em outubro 2001.

Cerca de dois meses antes da Conferencia foram encomendados em mercado pela coordenação do Diálogo exercida por UNED Forum/ Wateraid, dois papers que foram comentados por diversas ONGs e outros grupos da sociedade civil distribuídos previamente à reunião. Foram em seguida transformados em uma plataforma que constituíam as duas apresentações de 15 minutos iniciais dos temas tratados pela sociedade civil representada no Diálogo sobre: acesso a água e estratégias de gerenciamento de recursos hídricos.

Finalmente após longo processo de consulta aos continentes através da coordenação Wateraid/UNED Fórum foi montada uma lista de até 40 participantes por grupo representativo da sociedade civil onde cerca de 12 seriam considerados delegados e os demais observadores sendo a presença em plenário, com poder de se manifestar, restrito a 5 pessoas por grupo, por tema tratado. O IMAH coordenou a primeira sessão das 5 ONGs, no primeiro dia, em plenário, para efeito de apresentação da plataforma de 15 minutos e respostas ao debate suscitado com os demais presentes, intermediados pelo facilitador da sessão. A Segunda sessão de ONGs, no segundo dia, foi coordenada pela ONG EMG - Environmental Monitoring Group da África do Sul.

A verba disponível para financiar a presença dos grupos na reunião a cargo do governo alemão foi muito pequena e o processo decisório bastante demorado e confuso . Pelo Brasil, indicados pela Fundação Heinrich Böll, interessaram- se em estar presentes as ONGs MAB, GAMBA e RIOS VIVOS. Só se materializou a presença da RIOS VIVOS, através do advogado Jorge Daneri, tendo as duas outras ONGs desistido de participar por motivos particulares e explicados à direção do evento, bem perto do inicio do mesmo. Pelo Brasil, participou, também, a ONG Instituto Ipanema, tendo Ninon Machado atuado como embaixadora do tema de gênero na reunião. Por indicação da WaterAid, o IMAH pediu à direção de assuntos indígenas da Funai, exercida por Marcos Terena, que indicasse um/a líder para atender à reunião, pois ele mesmo não estaria disponível, em razão de por outros compromissos importantes no Brasil, em datas coincidentes. Foi indicada a liderança indígena do povo WAPICHANA, a advogada Joenia Batista Carvalho que foi à reunião e encaminhou, em plenário, as preocupações das nações indígenas.

Ao todo estiveram presentes 52 ONGs credenciadas do mundo inteiro que dispõem agora de um lista de emails para continuar a se relacionar internacionalmente se assim o desejarem. A grande maioria foi de ONGs africanas, seguidas de asiáticas , européias, norteamericanas e latinoamericanas.

Plataforma das ONGs nos dois temas selecionados:

1. Acesso à agua
Defendido em plenário por Belinda Calaguas - WaterAid, Londres, o documento conclama a todos os participantes a se comprometerem com um Programa de Ação para os pobres e a eliminação de promessas não cumpridas até agora sobre o tema.
No tema de acesso à água os 5 itens prioritários destacados foram:
· Que os efeitos negativos do sistema financeiro de "cost recovery",- reposição obrigatória a 100%, dos custos dos empréstimos pelas agencias financeiras- fazem com que as comunidades pobres acabem não servidas de água;
· A necessidades de se lutar por enfoques centrados nas pessoas;
· A eliminação da corrupção, como fator vital para o setor;
· A baixa prioridade dos países em desenvolvimento, em só aplicar menos de 2% de seus orçamentos para água e saneamento e a assistência financeira internacional para o desenvolvimento ser apenas de 1.6% ao ano, pelos países ricos;
· Os sistemas instalados de água são gerenciados, com forte interferência pessoal, por muitos governos e atendendo a critérios políticos perniciosos ao tema.

Conclamou ainda que um Programa de Ação deveria:
· Aumentar a assistência ao desenvolvimento dos países ricos para alcançar o patamar estabelecido de 0.7 % dos GNP dos países, entendido esta ajuda para água e saneamento;
· Priorizar água e saneamento nos planejamentos nacionais dos países e a erradicação da pobreza com estratégias que incluam perdão da dívida dos mais pobres;
· Levar a efeito um estudo de impacto social sobre o setor de políticas de água e saneamento, incluindo os temas de demanda correspondida e a política de participação do setor privado no tema água e saneamento.

2. Estratégias de gerenciamento de recursos hídricos
Defendido em plenário por Marcella de Souza - KKF , India as recomendações feitas em plenário disseram respeito a:
· Considerar a bacia hidrográfica como unidade de gerenciamento de água fazendo-se o processo decisório ser exercido no nível mais baixo possível na hierarquia da comunidade;
· Priorizar o uso de estruturas existentes de água em vez de partir para definir grandes sistemas novos sem capacidade de serem mantidos;
· Adotar as recomendações da Comissão Internacional de Barragens;
· O assunto água não deve ser objeto da pauta de negociação do comércio internacional;
· Propor um diálogo entre representantes da sociedade civil sobre privatização;
· Comunidades locais ligadas à água serem mais transparentes na ação e atuar em programas participatórios;
· A privatização não deve ser uma condicionante para os empréstimos internacionais.

Foram destacados ainda o papel fundamental da água como direito humano, sua correlação com os temas dos ecossistemas, o uso de tecnologias de baixo custo como captação de água de chuvas onde existentes, realimentação de aqüíferos, áreas urbanas e rurais como prioritárias para uso de gerenciamento a partir da demanda, e a importância da conservação da água.
Foram ainda postos em relêvo os aspectos ligados à inclusão de externalidades sociais e ecológicas nos modelos econômicos usuais para água, e o apoio a uma life line free, o que significa disponibilizar sem custos para a comunidade até 50 litros de água /dia/pessoa e o uso de subsídios cruzados para o caso de tarifas em bloco.
Destacada, também, a necessidade de capacitação para: profissionais de água e saneamento em temas de gênero e água além de enfoques participatórios; capacitação das comunidades locais, educação pública em água e saneamento; informação livre para as comunidades locais sobre o tema.

Finalmente, em seu Documento Final, as ONGs agradecem a possibilidade de terem discutido os temas em regime de diálogo com os presentes, consideram um avanço constar da declaração final que o tema das privatizações não venha mais a ser usado como uma condicionalidade de empréstimos internacionais, pelas agencias financeiras, aos países em desenvolvimento, agradecem a hospitalidade alemã para a realização do evento. Entretanto, manifestam que um conjunto de pontos apesar de trazidos a publico em diversas ocasiões, durante a reunião não se apresentam nos documentos finais como:
· Água como um direito humano
· Prioridade para água e saneamento por todos
· Água como um bem comum
· Água um bem não comercializável
· Recomendações da Comissão Internacional de Barragens devem ser aceitas pelos países
· Prioridade para soluções descentralizadas de baixo custo em água e saneamento.