seta Entrevista do FBOMS com a Thelma Krug, Secretária da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente
 

Data: 14/9/2007

Brasília, 14 de setembro de 2007.

FBOMS: Quais são as diretrizes principais do trabalho da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental junto ao Ministério do Meio Ambiente, ao Governo e à sociedade em geral?

TK - A Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental é composta por três Departamentos: mudanças climáticas; qualidade ambiental; e licenciamento e avaliação ambiental. No âmbito desses três departamentos, a Secretaria é responsável, entre outros, pela proposição de políticas e normas relacionadas à avaliação ambiental estratégica; à avaliação de impactos ambientais e o licenciamento ambiental, pelo monitoramento da qualidade do meio ambiente, pelo desenvolvimento de novos instrumentos de gestão ambiental e pela análise dos rebatimentos ambientais associados à matriz energética brasileira.

A Secretaria coordena, também, as ações do Ministério relacionadas às mudanças climáticas, promovendo a articulação governamental para a construção do Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que deverá conter as diretrizes principais para a atuação do Brasil no contexto da mudança climática. Antecipa-se que o Plano estará apoiado em quatro eixos fundamentais, que são mitigação de gases de efeito estufa, adaptação aos efeitos da mudança climática, pesquisa e desenvolvimento, e disseminação. Obviamente, toda a articulação do plano se dará em nível do governo, através dos ministérios mais diretamente relacionados a esta temática como, por exemplo, os Ministérios da Ciência e Tecnologia, do Meio Ambiente, das Relações Exteriores, da Agricultura e Pecuária, de Minas e Energia e Casa Civil.

O Ministério do Meio Ambiente tem um papel muito importante, devido ao fato de que a maior contribuição às emissões totais de gases de efeito estufa no país estar relacionada ao setor de mudança de uso da terra e florestas, principalmente através da conversão de florestas para outros usos, particularmente na Amazônia Legal. A redução das emissões por desmatamento constitui, hoje, um dos focos prioritários no conjunto de ações do ministério, através da implementação plena do Plano de Ação para Combate do Desmatamento. Há também uma componente importante no trabalho da Secretaria, ligada à Comunicação Nacional do Brasil, sob responsabilidade do Ministério da Ciência e Tecnologia, e que se constitui em um dos compromissos do país junto à Convenção-Quadro nas Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A Comunicação inclui o inventário nacional de gases de efeito estufa, que incorpora as emissões de gases de efeito estufa não contemplados pelo Protocolo de Montreal, resultantes dos setores energia, processos industriais, tratamento de resíduos, agricultura, e mudança de uso da terra e florestas.

A Secretaria tem como uma se suas diretrizes facilitar a disseminação de informações para a sociedade de maneira geral, visando ampliar a conscientização sobre as questões relacionadas à qualidade ambiental e às mudanças climáticas e, com isto, auxiliar no processo de mudança comportamental que é uma das contribuições da sociedade na mitigação de gases de efeito estufa, por exemplo. A Secretaria antecipa também fortalecer a utilização do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo para viabilizar projetos de florestamento e reflorestamento, particularmente os de pequena escala, voltados para comunidades de baixa renda, assim como aqueles voltados para a recuperação de áreas de matas ciliares, com reflorestamentos permanentes, e áreas de reserva legal.

FBOMS: Recentemente, o MMA apresentou o seu plano para a elaboração do Programa Nacional para Mudanças Climáticas. Quais são os pilares fundamentais para esta política? Como garantir uma visão transversal com políticas setoriais relacionadas, como a política energética, de transporte e florestas e a participação de outros ministérios no Programa?

TK - O MMA ainda não apresentou o seu plano para a elaboração do Programa Nacional para Mudanças Climáticas. Está-se discutindo, justamente, a construção do Plano que, como a pergunta anterior já abordou, está amparado em quatro eixos fundamentais. A estratégia para construção do Plano está em fase final de elaboração, e será submetida para aprovação do Presidente Lula, que o solicitou à Ministra Marina Silva. A estratégia para construção do Plano em si contempla o engajamento de vários ministérios, justamente para assegurar que os temas transversais sejam adequadamente tratados. Propõe-se que todos os temas setoriais relevantes, como energia, transporte, agricultura, indústria, resíduos, florestas sejam contemplados e que o Plano seja fruto de uma discussão ampla envolvendo os diversos ministérios e a sociedade civil como um todo.

FBOMS: Qual a contribuição da III Conferência Nacional do Meio Ambiente que será dedicado em 2007/2008 ao tema das mudanças climáticas e qual o papel da sociedade civil organizada na definição e na implementação de uma política nacional de mudanças climáticas?

TK - A III Conferência Nacional do Meio Ambiente tem, como um de seus objetivos, fornecer subsídios à elaboração do Plano Nacional de Mudanças Climáticas. Assim, pode-se entender que ele é um foro importante, dentre os antecipados no processo de consulta pública para apresentação e consideração do Plano. Como se trata de um Plano nacional, e não Federal, é extremamente importante levar em conta as especificidades regionais, particularmente no que tange ações possíveis de mitigação de gases de efeito estufa, adaptação aos efeitos da mudança climática e identificação de lacunas importantes em pesquisa e desenvolvimento. Neste sentido, o processo da III Conferência Nacional do Meio Ambiente, estruturado nas Conferências Estaduais, coordenadas pelos governos estaduais e pelo MMA, e que culminará em uma plenária nacional, trará exatamente este foco regional para dentro do Plano Nacional. Antecipa-se, na estratégia de construção do Plano Nacional, processos de consulta pública que envolverão a sociedade civil organizada e os setores interessados, para que contribuições possam ser analisadas e incorporadas pelo governo.

FBOMS: O Governo e a sociedade civil estão se preparando para a 13ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Bali. Qual é a posição do governo brasileiro sobre as regras para o regime de clima pós-2012?

TK - Como é sabido, a posição do governo brasileiro é formada pelo Ministério das Relações Exteriores, em consulta a outros ministérios e assegurando a consistência da posição brasileira junto a outros instrumentos internacionais. A discussão do pós-2012 no contexto internacional já está ocorrendo em dois trilhos, através do diálogo e do grupo de trabalho ad hoc, com o objetivo de se atingir um consenso até o final de 2009.

Assim sendo, os países estão ainda em processo amplo de discussão, que se espera comecem a convergir em um futuro próximo. Claro que há hoje mais elementos para que essa discussão comece a convergir: de particular relevância são os três relatórios de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima - IPCC, divulgados este ano Uma das maiores contribuições do IPCC, nesses novos relatórios, particularmente o do Grupo de Trabalho I, que foca na Base Científica da Mudança do Clima, é o fato das incertezas sobre o futuro da mudança climática terem diminuído, o que confere maior credibilidade aos resultados apresentados. Fica evidente, também, pelos resultados do Grupo de Trabalho II do IPCC, sobre Impactos, Vulnerabilidades e Adaptação que, independentemente de qualquer esforço atual de redução de emissões, já há uma parcela de aquecimento global comprometido, com implicações na elevação do nível do mar. Assim sendo, medidas de adaptação terão que ser implementadas e tem que ser antecipadas pelos governos. Finalmente, o Grupo de Trabalho III do IPCC, sobre Mitigação, indica que é possível se manter a mudança climática em um nível que impeça uma interferência perigosa do ser humano no sistema climático, desde que os esforços sejam iniciados imediatamente e por todas as nações. A projeção do IPCC é a de que o custo deste esforço será menor do que aquele relacionado à inação, ou à demora na redução das emissões antrópicas de gases de efeito estufa.

É claro que esses resultados do IPCC não são ignorados: resta saber, entretanto, qual é a intenção dos países, tanto os desenvolvidos quanto os em desenvolvimento, com relação a suas emissões futuras de gases de efeito estufa, para que se possa planejar. É sabido que, independentemente do nível de estabilização da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, há necessidade de uma redução de mais de 60% das emissões de gases de efeito estufa, relativo a 1990. Isto caso se considere que as emissões do setor de mudança de uso da terra e floresta estão sendo removidas da atmosfera, na mesma ordem de magnitude. Isto posto, há necessidade então de se entender quando este esforço de redução terá início, e é exatamente esta decisão que definirá o nível futuro da estabilização. Portanto, há essencialmente uma decisão importante que deverá ser tomada, que é a que determina o timing da ação global de redução de emissões. É importante entender que o princípio básico da Convenção, das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, é uma realidade. Entretanto, como costuma afirmar a Ministra Marina Silva, isto não implica em não responsabilidade. Importante é entender como deve ser feita a repartição do ônus da mudança climática, de forma justa, transparente, e com o maior embasamento científico possível. O Brasil, em 1997, fez uma proposta desta repartição, com base na responsabilidade histórica dos países pela mudança do clima observada, tendo como critério o aumento médio global da temperatura de superfície, para servir como base para a definição das metas quantitativas de redução de emissões por parte dos países desenvolvidos. Seria um bom ponto de partida ter uma estimativa da repartição do ônus da mudança climática para todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento, que poderia servir como um critério justo no envolvimento de todos os países no pós-2012.

Importante ressaltar, também, o esforço de cooperação que será necessário para que medidas e ações de mitigação sejam implementados na escala necessária, o mais breve possível. Nas discussões internacionais mais recentes, o entendimento do fortalecimento desta cooperação está ficando cada vez mais internalizado, e é nesta direção que o Brasil vem defendendo a proposta de redução de emissões de gases de efeito estufa por desmatamento. Espera-se que em Bali os resultados das discussões deste item da agenda aponte para este entendimento, e para a necessidade de se fortalecer ações de redução de emissões nos países em desenvolvimento com incentivos financeiros, de capacitação e transferência de tecnologia. Apesar desses elementos estarem presentes no texto da Convenção, a sua implementação, até o presente, deixou muito a desejar.

FBOMS: Qual a opinião do MMA sobre a posição dos Estados Unidos e da União Européia sobre a necessidade de adoção de metas obrigatórias de redução de emissões de gases de efeito estufa também para países em desenvolvimento?

TK - Veja bem: nem os Estados Unidos, nem a União Européia – UE propõe a adoção de metas obrigatórias de redução de emissões por parte dos países em desenvolvimento. O que a UE propõe, como estratégia para as discussões pós-2012, é a ampliação da participação dos países, tendo como base o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Reconhece que este maior engajamento é urgente, mas entende que progressos realistas para se chegar à meta proposta pela UE, de um aumento da temperatura média global de superfície de 2°C, em 2050, somente será atingida caso mais países no mundo também tomem ações efetivas de mitigação. Entendem que ações similares às da UE têm que ser efetuadas pelas nações mais emissoras, de forma a minimizar os impactos econômicos advindos de seus esforços para mitigar as emissões. A estratégia de negociação da UE deve considerar projetos ou programas específicos para melhorar a eficiência energética ou para promover tecnologias menos intensivas em carbono.

Já os EUA, que estão convocando uma reunião das maiores economias mundiais em setembro, estão buscando uma estratégia de longo prazo para a redução de gases de efeito estufa, que conta fortemente com a capacidade individual de cada um dos países nos esforços de mitigação, de forma flexível, e o estabelecimento de compromissos voluntários por parte desses países buscando, concomitantemente, assegurar o crescimento sustentável. Obviamente, esta visão não indica nenhuma intenção de se estabelecer metas mandatórios de redução de emissões de gases de efeito estufa, mas busca identificar alternativas, dentro da própria Convenção de Mudança do Clima, que possam ser colocadas à mesa de negociações internacionais futuras. A consideração de todos os aspectos da mudança climática, desde evitar a interferência antrópica perigosa no sistema climático, via mitigação de gases de efeito estufa, ao enfrentamento dos impactos negativos da mudança climática e os custos de adaptação certamente merecerá o engajamento de todas as nações. A dificuldade está em se estabelecer uma diferenciação entre os compromissos de redução de gases de efeito estufa por parte dos países desenvolvidos, que já tem o seu desenvolvimento estabilizado, e dos países em desenvolvimento que tem que se desenvolver com o compromisso adicional de aliviar a pobreza.

Adicionalmente, os países desenvolvidos, por princípio, detêm maiores condições para o desenvolvimento de tecnologias mais avançadas para alavancar uma mitigação mais significativa de gases de efeito estufa. Acredito ser importante ressaltar, também, que os países em desenvolvimento vêm também, mesmo sem metas quantitativas de redução de emissões, dando uma contribuição importante na redução de suas emissões de gases de efeito estufa. Dados apresentados pelo Center for Clean Air Policy, em 2006, durante a COP 12, em Nairobi, no relatório sobre Mitigação de Gases de Efeito Estufa no Brasil, China, Índia e México indicam que China e Brasil, através da adoção de medidas e ações próprias reduzirão suas emissões, até 2010, em níveis comparáveis aos que os EUA projetam fazer sob sua meta voluntária de redução, e próxima a 40% do que a UE 15 projeta fazer neste mesmo período. É claro que há possibilidade de se ampliar a contribuição desses países no esforço de mitigação. É claro, também, que há diferenciações importantes entre a os países, nesses esforços. Neste sentido, o Brasil é diferenciado, porque sua contribuição maior às emissões, conforme já mencionado acima, está relacionada à conversão das florestas para outros usos. Nos fóruns internacionais de mudança do clima, o tratamento do setor florestal, na ótica do MMA, deve ser diferenciado daquele dedicado a outros setores, ou seja, deve haver uma diferenciação entre as emissões de natureza fóssil das de natureza não fóssil, como é o caso das emissões das florestas no mundo. A fungibilidade das emissões fósseis com as não fósseis mascara a real contribuição dos países nos seus esforços de mitigação, com efeitos de longo prazo para o sistema climático.

Esta é uma temática complexa, cuja discussão precisa ser aprofundada, de forma a qualificar melhor a posição do Brasil nas negociações futuras sobre mudança do clima. Interessante também é ressaltar que, obviamente, é esperado que os países em desenvolvimento aumentem as suas emissões de gases de efeito estufa durante a trajetória de seu desenvolvimento. Entretanto, é mister ressaltar que este aumento está intimamente relacionado, entre outros, à própria questão da inserção social, como é o caso, no Brasil, do projeto Luz para Todos, o qual contempla atingir mais de 12 milhões de habitantes. Esta é uma diferenciação básica entre o aumento das emissões dos países desenvolvidos e o dos países em desenvolvimento, que apontam claramente para a necessidade de um tratamento diferenciado, na escala de tempo atual.


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