Documentos

Exportação de frangos: bom negócio para quem?

Lisa Gunn, consultora técnica do IDEC, acaba de produzir, com o apoio do Projeto Comércio Sustentável, da FASE, o estudo “Padrões de produção, comércio e consumo: o caso do frango”. O trabalho é parte das atividades definidas pelo GT Comércio e Meio Ambiente do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o desenvolvimento e da REBRIP. O objetivo é o de analisar a evolução e os padrões de produção e consumo desta atividade, avaliando seus impactos sociais e ambientais.

O texto demonstra que as exportações de frango – assim como o consumo doméstico - vêm crescendo de maneira expressiva nos anos recentes, tendo o Brasil alcançado no ano de 2003 a posição de maior exportador mundial: 1,6 milhões de toneladas, equivalentes a 21% do total produzido no Brasil.

Este crescimento tem sido acompanhado de grandes mudanças nos padrões de produção, e é este o ponto que merece maiores atenções, em função dos impactos resultantes da produção intensiva industrial em grande escala, que hoje ocupa o lugar da tradicional produção extensiva familiar em pequena escala.

A qualidade de vida do próprio frango destinado ao consumo humano é a primeira vítima de um modelo de produção que busca a redução de custos a qualquer preço. Em busca da “produtividade”, as condições de produção permitiram a redução do tempo de vida do animal para cerca de 40 dias (cerca de metade do tempo de vida de um frango orgânico), graças ao uso sistemático de substâncias químicas para acelerar seu crescimento. O confinamento em espaços reduzidos – cerca de 10 frangos por metro quadrado – resulta também na aplicação de antibióticos em larga escala, para evitar epidemias conseqüentes da “vida” neste ambiente artificial desenvolvido pelo agronegócio.

Em razão desta forma de produção, os frangos estão sujeitos a diversos problemas, incluindo reações de pânico, diminuição exagerada da locomoção e efeitos negativos em músculos, ossos e articulações de pernas e pés. Por si só, a qualidade de vida a que é submetido este frango industrial já o torna, certamente, questionável para o consumo dos seres humanos.

Consumir esta carne de frango significa, também, ingerir antibióticos e promotores do crescimento. Além dos possíveis danos diretos à saúde, o consumo sistemático pelos animais e em pequenas dosagens de antibióticos contribui para a evolução de bactérias resistentes, que são transferidas para os seres humanos por meio do consumo da carne animal, tornando ineficazes no tratamento humano estes mesmos antibióticos ou similares.

Como conseqüência, a Organização Mundial de Saúde recomendou a proibição do uso de antibióticos para promoção do crescimento animal e a União Européia proibiu o uso dos antibióticos similares aos utilizados para tratamento humano na alimentação animal. As dificuldades crescentes de exportar frangos para diversos países desenvolvidos que adotam controles sanitários e fitossanitários neste sentido, no entanto, nem sempre beneficiam o consumidor doméstico. Freqüentemente, a proibição do uso destes produtos é aplicada apenas ao frango de exportação, quer dizer, a produção é diferenciada de acordo com as exigências do mercado consumidor. Se no Brasil determinados antibióticos não são proibidos como na União Européia, o frango produzido para o mercado interno é diferente do frango produzido para o mercado europeu.

O estudo aborda também outros impactos diretos e indiretos da produção intensiva de frangos. O consumo de grãos para ração significa a destinação crescente da produção de monoculturas como a da soja para a alimentação animal, implicando em perda de biodiversidade e devastação de áreas como o Cerrado e a Amazônia. A produção de grãos para rações de frangos no Brasil já ocupa área superior à do território da Dinamarca. O consumo e a contaminação das águas, assim como a disposição de dejetos, são outras conseqüências significativas de uma atividade que não é até aqui submetida a regulamentações sanitárias e ambientais adequadas e eficazes.

Além dos impactos à saúde humana e ao meio ambiente, o atual modelo de produção integrada no sul do país explora o trabalho das famílias integradas, que sem outras alternativas aceitam as condições impostas pelas grandes agroindústrias.

A consciência de que o frango produzido sob os atuais padrões tecnológicos prejudica a saúde e o meio ambiente vem provocando o surgimento de novas experiências de produção, destinadas a atender ao consumidor consciente, no Brasil e nos países importadores. O estudo de Lisa Gunn destaca as experiências alternativas em andamento, como a produção orgânica e a agroindústria familiar, que buscam saídas saudáveis e viáveis para a produção e o consumo destes alimentos. Os ainda elevados custos de produção destas novas experiências, contudo, fazem com que o frango saudável seja ainda privilégio de poucos.

As conclusões apontam algumas soluções e caminhos que assegurem a qualidade do frango produzido e a redução dos impactos sociais e ambientais do modo de produção hoje predominante. Além de uma regulamentação rigorosa destes padrões de produção, destinada a controlar os danos ao meio ambiente e à saúde, é indicada a necessidade de desconcentração, através do estímulo à agroindústria familiar voltada para o mercado interno, através de linhas de crédito, apoio técnico e incentivos fiscais.

Além disso, é apontada também a necessidade imediata da proibição do uso de antibióticos como promotores de crescimento e para tratamento preventivo, assim como do controle e monitoramento do uso de antibióticos para tratamento animal.

“A mudança dos atuais padrões de produção de carne de frango aqui proposta, e outras, devem estar voltadas para a promoção da saúde, segurança alimentar, justiça econômica, geração de emprego, integridade ambiental, além do bem-estar dos animais.”