Documentos

Exma. Sra. Dilma Roussef
Ministra-Chefe da Casa Civil
Presidência da República

cc: Exma. Sra. Marina Silva
Ministra do Meio Ambiente

23 de fevereiro de 2006

Exma. Sra. Ministra,

Agradecemos a atenção dispensada por V. Exa - assim como pelo Exmo. Sr. Presidente da República e pela Exma. Ministra do Meio Ambiente - em ocasião da audiência realizada na semana passada com os representantes do Grupo de Trabalho de Florestas* do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais.

Conforme sua solicitação ao longo de referido encontro, estamos encaminhando nossas sugestões resumidas sobre algumas questões em relação às quais V. Exa. manifestou explícito interesse de seguimento. Nos casos do primeiro e terceiro item (respectivamente infra-estrutura e áreas alteradas) nosso encaminhamento foca a priorização e efetivação de ações já contempladas pelo Plano Interministerial. No caso do segundo item (crédito) trata-se da concretização da proposta de Resolução do Conselho Monetário Nacional que V. Exa. solicitou. Finalmente, no caso do quarto e último item (impunidade) trata-se de uma proposta de concretização de instrumentos que já foram objeto de análises e estudos por parte do TCU e/ou entidades do nosso grupo. Gostaríamos de esclarecer que apenas focamos os temas objeto de solicitação por parte de V. Exa., embora as entidades integrantes de nosso colegiado tenham sugestões e propostas em um leque mais amplo de assuntos, como por exemplo problemas de ordem fundiária, grilagem, etc..

Gostaríamos também de ressaltar a expectativa gerada entre as instituições da sociedade civil pelos demais temas discutidos na audiência, com destaque para a avaliação das ações do Plano e a efetivação da divulgação dos dados sobre desmatamento de 2005.

Aguardamos as determinações de V. Exa. e ficamos à disposição da equipe técnica para quaisquer esclarecimentos se tornem necessários a respeito dos encaminhamentos abaixo formulados.

Atenciosamente,


p. GT Florestas do FBOMS


Sugestões do GT Florestas do FBOMS sobre os temas discutidos na audiência com a Exma. Ministra-Chefe da Casa Civil em 16/2/2006 a respeito do Plano Interministerial de Prevenção e Controle do Desmatamento


1. Infra-estrutura

A preocupação mais séria do GT Florestas em relação ao Plano Interministerial diz respeito ao componente de infra-estrutura, que até o momento não foi objeto de qualquer implementação, conforme reconhecido no próprio relatório de avaliação de maio de 2005. O Plano julga inclusive (portanto não se trata de uma avaliação das entidades que assinam este documento e sim do governo) que as obras de maior impacto potencial (definidas como categoria 1) sobre desmatamento seriam o complexo do Rio Madeira, o gasoduto Urucu-Porto Velho e a pavimentação das BR-319 (Manaus - Porto Velho) e 210 no trecho Humaitá-Lábrea. À luz da evolução recente e da tendência do desmatamento em 2005, é opinião destas entidade que pelo menos a BR-158 também deveria ser considerada neste grupo.

Recomendação

Independentemente de discussões mais estratégicas sobre a conveniência de
determinadas obras, há a necessidade urgente de adotar as medidas previstas pelo Plano Interministerial como parte da tomada de decisão governamental a respeito das mesmas, com o objetivo de prevenir ou mitigar fenômenos recorrentes e indesejáveis, com expressivos impactos sociais e ambientais. Tais medidas, a serem tomadas rigorosamente ANTES de qualquer processo de licenciamento nos termos da lei, são expostas nos capítulos 4.4.2 e 4.4.3 do Plano em objeto.


2. Orientação do Crédito

Dando seguimento à solicitação da Ministra-Chefe da Casa Civil, foi confirmada a viabilidade de estabelecer, por meio de resolução do Conselho Monetário Nacional, diretrizes para as instituições financeiras públicas e privadas, vinculando tanto o crédito direcionado quanto o crédito convencional para operações acima de R$ 50 mil à apresentação de documentos que, dependendo da adoção ou não, nos diferentes estados, do licenciamento ambiental da propriedade, comprovem a regularidade da propriedade em relação à legislação florestal.

Recomendação

Está formulada abaixo uma minuta de resolução do CMN.

RESOLUÇÃO

Torna obrigatória, nos financiamentos de qualquer natureza ao setor rural, superiores a R$ 50 mil e concedidos pelas instituições financeiras componentes do sistema financeiro nacional, a apresentação de documentos que atestem a regularidade do empreendimento do ponto de vista da legislação florestal.

O BANCO CENTRAL DO BRASIL torna público que o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, em sessão realizada em _____de 2006,

RESOLVEU:

Art. 1o. Estabelecer que as instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional exijam, como condicionante para efetivação de quaisquer operações de crédito para o setor rural superiores a R$ 50mil, inclusive para fins de custeio, obras e aquisição de equipamentos ou insumos, a apresentação dos seguintes documentos:

- nos estados em que vige um sistema de licenciamento da propriedade ou
atividade rural, a correspondente Licença Ambiental atualizada da(s) propriedade(s) contendo a devida averbação da reserva legal e imagem georeferenciada atestando seu estado de integral conservação ou termo de ajustamento de conduta devidamente formalizado nos termos da Lei perante o órgão ambiental competente homologado pelo Ministério Público;


- nos estados em que referido sistema não está vigente, documento contendo
averbação da reserva legal em cartório, declaração juramentada atestando sua integridade conforme a lei (substituível por Termo de Ajuste de Conduta devidamente homologado pelo Ministério Público) e certificado de cadastro de imóvel rural perante o INCRA, conforme previsto pela Lei 10267 de 28 de agosto de 2001 e decreto presidencial 4.449 de 30 de outubro de 2002.

Art. 2o. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

3. Intensificação do uso de áreas alteradas

Dentre as ações sob responsabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no âmbito do referido Plano Interministerial, destacamos a implementação de medidas de estímulos e incentivos ao uso de áreas já convertidas, até agora não colocadas em prática. Segundo estimativa do Ministério de Meio Ambiente, havia na Amazônia brasileira em 2002 aproximadamente 165 mil km2 de áreas abandonadas ou sub-utilizadas que poderiam ser resgatadas ao processo produtivo. Para tanto um diagnóstico atualizado se faz necessário assim como a formulação de uma política especifica a ser implementada por MAPA, MMA e Ministério da Fazenda.

Recomendação

- realização de diagnóstico das áreas desmatadas abandonadas ou subutilizadas para dimensionamento e concepção de um programa específico no âmbito do MAPA, com vistas ao reaproveitamento desses espaços ao processo produtivo e reduzindo assim a pressão para a abertura de novas áreas.


4. Impunidade

Estudos recentes promovidos pelo Instituto Socioambiental, ICV, IMAZON e
Amigos da Terra demonstram que, apesar do aprimoramento da legislação e da intensificação de ações de fiscalização e controle, o percentual de infratores florestais que efetivamente cumpre as sanções administrativas - ou seja, paga as multas lavradas pelos órgãos competentes - é irrisória: é arrecadado entre 0,6% e 5% (dependendo do tipo de multa, estado, etc.) do valor total das multas lavradas.

As ações de fiscalização, quando ocorrem, acontecem após o evento danoso, restando ao órgão ambiental a lavratura de multa correspondente ou encaminhamento de queixa criminal junto Ministério Público, com pouco resultado prático. A impunidade patente gera um efeito multiplicador, reconhecido como uma das principais causas do descumprimento da legislação.


Recomendação


Recomenda-se a edição de um decreto federal que:

1. Estipule a obrigatoriedade da licença ambiental para os imóveis rurais
condicionada ao georeferenciamento das áreas sob proteção legal (Reservas
Legais e Áreas de Preservação Permanente) com compromisso de conservação e/ou recuperação de tais espaços territoriais; tal obrigatoriedade pode ser escalonada no tempo por tamanho de imóveis rurais, com prazos menores para imóveis de maior tamanho.

2. Estabeleça o depósito prévio de um percentual do valor total da multa
aplicada como condição para o recebimento de recurso administrativo pelas
instâncias administrativas superiores. O estabelecimento de depósito da multa ou parcela da mesma como condição para admissão do recurso foi repetidamente solicitado pelo TCU. Inclusive, a Procuradoria do TCU ofereceu em 2002 ao IBAMA um parecer informando que que a exigência do pagamento como condição de admissibilidade de recurso na esfera administrativa foi julgada pelo STF, em diversas ocasiões, como algo que não fere o princípio constitucional da ampla defesa."

3. Determine como sanção, a ser obrigatoriamente aplicada pelo órgão
ambiental competente, o embargo do uso do solo irregularmente desmatado, sob pena de ampliação da multa em dobro do valor originalmente aplicado.

4. Regulamente e instrumentalize o disposto na Lei de Acesso à informação ambiental de sorte a permitir ao cidadão e organizações da sociedade acesso efetivo e, por parte do IBAMA, cumprimento das normas existentes, que continuam sendo ignoradas.


Além disso, recomenda-se a efetiva implementação, por parte do IBAMA, do disposto pela Lei 8005/90, que atribui ao Presidente do IBAMA a responsabilidade de disciplinar o procedimento administrativo para autuação, cobrança e inscrição na dívida ativa dos débitos, assim como da IN 08/03 do IBAMA, aparentemente descumprida até o momento.