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Sugestões do GTE/FBOMS para o aprimoramento das regras de licenciamento ambiental (08/02/2006)

Abaixo apresentamos algumas sugestões de aprimoramento das regras de licenciamento ambiental hoje existentes a nível federal, vale dizer, aquelas estabelecidas pelo CONAMA ou mesmo por ato normativo interno ao IBAMA. Essas não excluem aquelas já apresentadas pelo FBOMS ao MMA, pelo contrário, as complementam ou abarcam. Estas sugestões surgem de experiências com casos concretos e da realidade legal de alguns estados da federação, que têm uma legislação bastante mais avançada do que a federal em vários aspectos, o que demonstra que há muito o que avançar em nível federal, mesmo sendo conservador.


1. Publicidade do início do processo de licenciamento

Uma das principais deficiências existentes nos processos de licenciamento ambiental é quanto à comunicação do início do processo, que se dá com o requerimento de licenciamento ambiental por parte do empreendedor. Segundo a Resolução CONAMA 006/86, tanto o requerimento de início do licenciamento, quanto de renovação de licença, devem ser publicados ao menos no primeiro caderno de um periódico e no Diário Oficial do Estado ou da União, dependendo do nível federativo do órgão competente para o licenciamento, no prazo de até 30 dias corridos subseqüentes à data do requerimento. Embora seja uma técnica usualmente adotada em Direito, o método de convocação publicação na imprensa é algo que impossibilita a participação da maioria do público eventualmente interessado, pois na realidade são pouquíssimos aqueles que acompanham todos os dias nos jornais os editais que são publicados, sendo a convocação muito mais fictícia do que real. Ademais, na Resolução 006/86 não há especificação de que tipo de periódico se trata, onde deve circular, qual a tiragem, dentre outros elementos essenciais para a adequada difusão das informações.

Sugestões:

1.1. usar outros meios de aviso ao público (rádio, televisão, cartazes): para tornar real o acesso à informação e dar publicidade aos processos de licenciamento, é possível utilizar métodos informativos mais eficazes do que periódicos, como é o caso do rádio, meio de comunicação mais utilizados em locais de difícil acesso, da televisão, que hoje é um dos veículos de maior presença na vida cotidiana das pessoas, e de cartazes informativos espalhados em locais estratégicos. Pelo menos a divulgação em rádios é de baixo custo e grande alcance. Alguns Estados já avançaram nesse quesito. Vale citar a legislação baiana, que através da Resolução nº 2195/99 foge da bitola da publicação pela imprensa escrita ao determinar que "o empreendedor convocará os interessados através dos meios de comunicação disponíveis" (item 6.2.1, aliena III), o que inclui obviamente o rádio e a televisão.

1.2. definir que a publicação deve ser em periódico de grande circulação regional e estadual: A Resolução CONAMA 006/86 não define em que tipo de periódico deve ser feita a publicação do início do processo, o que é um problema. Nesse sentido, diversos estados, como São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Bahia determinam salutarmente que o periódico no qual deve ser publicado o requerimento de licença ambiental há de ter grande circulação e que a publicação ocorra tanto na grande imprensa estadual quanto regional ou local , ou seja, em algum jornal da localidade em que se situa o empreendimento, que se presume ser onde ocorrerão os maiores impactos e onde haverá mais chances de interessados serem informados.

1.3. comunicação individual a todas as ONGs cadastradas no CNEA: além de uma publicidade genérica, de pouca eficácia informativa, seria salutar uma comunicação àqueles que têm interesse direto na questão, ou seja, ao público interessado. Este seria composto principalmente por organizações da sociedade civil ligadas à preservação dos recursos naturais da região que será impactada, incluindo aí tanto as ONGs ambientalistas quanto os movimentos sociais que organizem, por exemplo, pequenos produtores rurais ou pescadores. Dessa forma, se poderia utilizar o cadastro de endereços do CONAMA - Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas/CNEA - para fazer a comunicação. A partir dos dados contidos nesses cadastros o órgão ambiental competente pelo licenciamento poderia realizar, a um custo muito baixo e com uma eficiência muito grande, a comunicação do início do processo de licenciamento, e essas ONGs poderiam acompanha-lo ou avisar aqueles que têm interesse em fazê-lo. Nesse sentido, vale citar a legislação paulista que determina, quando da convocação da audiência pública, a intimação pessoal de ONGs ambientalistas cadastradas no Consema e de outras com sede nos municípios da área de influência do empreendimento ou assunto em exame (art.6º, alíneas "f"e "g").


2. Informação sobre o andamento do processo de licenciamento

Além de dar publicidade do início do processo, é necessário que todo o seu desenrolar também possa ser acompanhado pari passu por aqueles que se interessarem. Já está no ar o SISLIC, mas ele ainda apresenta algumas deficiências em seu funcionamento, que muito possivelmente serão sanadas, e não contempla algumas pequenas medidas pouco custosas mas bastante eficientes.

Sugestões:
2.1. definir melhor que atos/movimentações devem ser publicados. A nosso ver devem ser necessariamente publicados e informados como movimentação no processo: a) pedidos de documentos pelo IBAMA; b) entrega de documentos pelo empreendedor ou terceiros; c) entrega de relatórios/pareceres técnicos do IBAMA
2.2. cadastrar interessados e informa-los virtualmente (por e-mail) de cada passo do processo de licenciamento
2.3. todos os documentos do processo de licenciamento devem estar em meio digital, para que possam ser disponibilizados pela internet
2.4. O EIA/Rima deve ter uma versão totalmente digital, se possível disponível para download de interessados, ou envio por correio de cópia em CD mediante reembolso do interessado

3. Momento de participação no processo de licenciamento

A legislação federal é extremamente omissa com relação a esse assunto, quando não restritiva à participação. A regulamentação oferecida pelo CONAMA, além de ser extremamente lacônica no tocante à participação, deixa a entender que esta deve ser pontual, e não permanente como deveria ser num processo de avaliação de impacto ambiental.
Há dois pontos essenciais a serem criticados na legislação existente: a de não prever expressamente a participação durante a fase de elaboração do EIA/Rima - ou de outros estudos equivalentes - e a limitação da participação, no caso de licenciamento ambiental, à fase de concessão da licença prévia (LP). Para superar essas fragilidades do modelo atual, algumas mudanças são necessárias.

Sugestões:

3.1. Participação prévia à elaboração do EIA/Rima: A possibilidade de participação prévia à realização do EIA/Rima é essencial para que ele possa futuramente suprir as dúvidas e angústias da sociedade em geral, e da comunidade diretamente afetada em específico, com relação aos impactos provavelmente causados pelo empreendimento. Essa participação, ao condicionar a elaboração do estudo de impacto, torna o processo mais transparente e dá maior credibilidade ao EIA, o que seguramente confere maior legitimidade a todo o processo.
A Resolução CONAMA 237/97, no entanto, estipula que a participação, por via da audiência, deverá, quando couber, ocorrer após a entrega e aceitação dos estudos ambientais no órgão licenciador. Isso significa que, pela regra federal, só há necessidade de audiência quando o EIA estiver pronto.
Para melhorar a elaboração dos EIAs é fundamental a realização de audiências e consultas públicas para a definição do Termo de Referência. Com relação a esse ponto, devemos salientar que algumas legislações estaduais vêm suprimindo essa falha da legislação federal. Na Bahia, a Resolução nº 2195/99 cria a figura da audiência prévia, que seria uma "reunião prévia com a comunidade, tendo como finalidade apresentar o escopo básico do projeto, bem como colher subsídios para a elaboração do termo de referência do estudo de impacto ambiental" (item 5.15). O Termo de Referência deverá necessariamente seguir as considerações resultantes da audiência, além do conteúdo constante da Resolução CONAMA 001/86 (item 6.1.3). Dispositivo parecido existe na legislação paulista (Deliberação Consema 15/90 e 50/92).

3.2. Incorporação formal ao processo de pareceres técnicos e políticos independentes

3.3. Audiência Pública antes da concessão da Licença de Operação, para averiguar se todas as condicionantes foram cumpridas: uma discussão que aparece em quase todo processo de licenciamento é saber se o empreendedor efetivamente cumpriu com as condicionantes estabelecidas na LI. A comprovação geralmente é feita por meio de documentos entregues pelo interessados, e ocasionalmente com a ida a campo de técnicos do IBAMA para averigua-las. Porém, há muitas condicionantes cujo cumprimento é de difícil mensuração por documentos formais, e na maior parte das vezes os técnicos do IBAMA não têm tempo ou conhecimento do cenário local suficientes para identificar numa viagem de campo se todas as condicionantes foram cumpridas. Nesse sentido, seria importante uma reunião pública entre órgão licenciador, empreendedor e interessados para expor todas as medidas tomadas e avaliar sua qualidade. A participação da sociedade local, nesse momento, ajudaria muito uma avaliação do órgão ambiental, pois ela conhece bem a região e pode comprovar se o que o empreendedor diz é verdade.

3.4. Audiência Pública para a renovação da Licença de Operação: Importante também seria a possibilidade de participação social na renovação da licença. A Resolução CONAMA 237/97 estabeleceu prazos máximos tanto para a análise do requerimento de concessão e renovação de licenças, quanto para a validade das mesmas, no que pode ser complementada pelas legislações estaduais e adaptada às realidades locais. Na sistemática atual a renovação é quase que uma formalidade, pois o empreendedor apresenta um plano de controle ambiental e o órgão ambiental avalia a sua exeqüibilidade (Resolução CONAMA 237/97, art.8º, inciso III), sem, no entanto, saber se os impactos e as medidas ali apontadas são as que efetivamente importam à comunidade, pois não há nenhum tipo de consulta à sociedade ou às autoridades locais. Não se pode excluir a participação da sociedade civil nas renovações da licença, pois estas devem atender não só às mudanças na legislação, que pode fixar regras mais restritivas, mas também, e principalmente, às mudanças ambientais e sociais do entorno do empreendimento ou da área por ele impactada. Portanto, esse é um ponto em que a legislação tem ainda de avançar.