INTEGRAR A DEMOCRACIA PARA NÃO ENTREGAR A ESPERANÇA
Por Michèle Sato
Universidade Federal de Mato Grosso
Emílio Garrastazu Médici era presidente do Brasil na década de setenta e sua
ditadura era concretizada no coração da Amazônia, quando uma árvore era
derrubada dando vazão ao simbolismo do gigantesco mundo verde sucumbido pelo
desenvolvimento na frase: "Integrar para não entregar". A promessa da "terra sem
homens para homens sem terra" trouxe homens e mulheres no sonho
desenvolvimentista estampado no positivismo da bandeira nacional - era hora da
ordem e do progresso do Brasil.
Mais de trinta anos depois, em pleno ano 2005 do século XXI esta guinada
histórica ainda persiste em Mato Grosso, através das faixas exibidas por vários
presentes durante o I Fórum Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade
promovido pela atual Secretaria de Meio Ambiente (SEMA), com o mesmo slogan,
proposições e discursos. Como se nada tivesse ocorrido desde então, a
participação massiva do dogma da penetração e integração das florestas a todo
custo estava presente na chamada política ambiental de um Estado ainda embalado
por ideários nacionalistas e militares. Bertolt Brecht revelaria o dilema de uma
árvore nas centelhas, que buscando estar ereta como um gigante desabaria no fogo
da ganância humana. Não se trata de raciocinar num espectro ideológico da
esquerda e direita, mas, sobretudo de evidenciar uma das presenças do
imperialismo feroz e insaciável da ocupação das terras mato-grossenses. Trata-se
de reivindicar a responsabilidade de quem é avalista do processo de ocupação, em
cooperação com empresários e associados multinacionais.
Se os mesmos ideários nacionalistas moviam a década de 70 para ocupação dos
solos mato-grossenses, há que se evidenciar que o a integração virou sinônimo de
destruição e que a terra exaurida corre os mesmos riscos da internacionalização,
já que o acelerado cenário de desmatamento pode revelar a incompetência técnica
e forjar a internacionalização da Amazônia. No processo da internacionalização,
talvez possamos destacar a função da academia nesta responsabilidade,
esclarecendo de qual conhecimento estamos nos referindo, já que não existe
neutralidade nas ciências e a universidade não está dissociada de interesses
políticos. Referimo-nos ao conhecimento ambiental, em particular da Educação
Ambiental, que talvez seja um, entre tantos outros caminhos, que possa desvendar
os enredos de uma dramaturgia latente em Mato Grosso, a favor da construção de
diversas e plurais sociedades sustentáveis.
O enorme abismo entre desenvolvimentismo e ambientalismo poderá ser reduzido se
formos capazes de denunciar a situação que se mantém por recursos informais de
poder, mesmo que o sistema político seja democrático. Nossa aposta, enquanto
academia, recusa a aceitar qualquer proposição que se ancora no poder da riqueza
econômica avigorada por slogan tradicional de injustiça deste país. Mato Grosso
ainda exibe uma vasta população em estado de miséria e o sonho da integração não
passou de uma destruição. O que se testemunhou neste Estado foi um processo de
intensa produção agrícola sem melhoria de qualidade de vida das populações.
Contrapondo o discurso de abertura do suposto fórum democrático que conduziria à
elaboração das políticas ambientais da SEMA, é preciso radicalizar na adoção de
políticas distributivas que possam oferecer empoderamento aos sujeitos e
comunidades para se arquitetar uma vida digna. A radicalidade é realmente
necessária, mas configurada pelo poder simbólico de se enraizar nos
subterrâneos, tornar-se fortalecidos como uma raiz pivotante para emergir e
quebrar todas as estruturas cristalizadas de exclusão social aliada aos impactos
ambientais.
A metodologia utilizada no fórum, para além de questionamentos cartesianos de
fichas coloridas e matrizes verticais de prioridades, agrega toda e qualquer
proposição sem nenhum debate. É louvável a atitude corajosa da SEMA em se
promover um fórum público, acolhendo todas as tendências, opiniões e ideologias,
porém seus resultados misturados seguem de volta ao Estado, para que este
cumpra, sozinho, suas formulações de políticas públicas. Será fácil formular
suas políticas, sob o falso discurso de que foi construído por consulta pública,
quando na realidade, apenas se aglutinou diversas opiniões para se tirar o que
se julgar conveniente ao progresso a todo custo.
O desafio que se estabelece nesta matriz colorida de todo tipo de tendência é
questionar qual será o caminho a ser tomado pelos governantes para uma síntese
que agregue abordagens tão distintas. O panorama do fórum gera a angústia do
segmento ambientalista, pois facilmente poderemos ser ignorados e engolidos por
um processo manipulador da consulta pública. Terá o respaldo de ter sido
democrático, quando na verdade, a falácia metodológica revela um mar de
incertezas, pois remete novamente às decisões da minoria poderosa. É ético
esclarecer que o processo foi aberto, mas é igualmente dever ético clamar para
que a política ambiental surgida no bojo deste fórum seja igualmente aprovada
por todos os segmentos da sociedade.
O conceito de cidadania e participação ampla requer também a presença de
comunidades biorregionais, pescadores, índios, negros, homossexuais, mulheres e
outros grupos marginalizados da sociedade. É um equívoco considerar que apenas
governantes, academia, redes e empresas são capazes de formular políticas
públicas. Na luta pela cidadania, é preciso fazer emergir diversas vozes
ausentes neste primeiro fórum, estabelecendo uma horizontalidade nas decisões
democráticas reais e não apenas formais. O Meio Ambiente e a Sustentabilidade,
portanto, dependem da estrutura da sociedade, dos seus padrões de apropriação,
produção e consumo.
Nenhum tipo de educação é neutro, nem tampouco a Educação Ambiental. Mas a
palavra de ordem da década de setenta já não se sustenta na contemporaneidade,
exigindo a reflexão sobre a elite que concentra o poder para tomar decisões de
forma exclusiva. Seja no panorama das corrupções em níveis federais, seja nas
ações do Curupira em Mato Grosso, a democracia representativa deve ceder espaços
à democracia participativa e é no campo da política que podemos refletir o
padrão organizacional da sociedade humana instituída pela dimensão ambiental.
Circunscrita num campo político de construção da cidadania, a Educação Ambiental
tem o grande desafio de refletir sobre o significado político e conceitual da
frase que trazia enormes modificações no campo migratório da década de setenta,
e oferecer uma guinada político-conceitual para o desafio deste século:
"Integrar a democracia para não entregar a esperança".
Michèle Sato (remtea@ufmt.br)
Facilitadora REMTEA (Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental)
www.ufmt.br/remtea
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