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XV Encontro Nacional
FÓRUM BRASILEIRO DE ONGs E MOVIMENTOS SOCIAIS PARA O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO

Rio de Janeiro - 17-18 de Outubro de 2001
Relatório das discussões dos GT Clima e GT Energia.

1. Retrospectiva / Balanço da situação atual:

Energia

O GT Energia se formou originalmente no período que antecedeu a Conferência Rio 92 e continuou articulado até a Conferência Rio+5.
As reflexões de proposta do grupo enfocavam o questionamento dos padrões de consumo em geral e a não sustentabilidade do modelo energético, avaliando os impactos de cada uma das fontes de geração de energia então consideradas.
Como posições consensuais, mantinha oposição ao Programa Nuclear; lutava pela ampliação das energias renováveis alternativas; considerava o aumento da participação do gás natural na matriz energética como opção viável; propunha uma auditoria nos empreendimentos energéticos existentes como forma de resolução de passivos sócio-ambientais; e questionava a demanda e o consumo, destacando nesse processo as indústrias eletro-intensivas, o sistema de transporte e a habitação do país.
Apenas na Rio+5 intensificou a reflexão sobre o impacto dos processos de privatização e, nesta época, o GT lançou uma publicação com as plataformas para um novo modelo energético.

Já neste período, eram cada vez mais claro os riscos de desabastecimento, a tendência do aumento das tarifas, o não atendimento das populações de forma adequada e universalizada e a sua relação com o projeto de privatização do setor elétrico.
Desde então, num processo continuado a partir do início dos anos 90, não apenas o Estado perdeu o seu papel de investidor mas, a desregulamentação do setor mudou seu papel definidor de um planejamento diretivo. O planejamento passa a contituir-se num frágil mecanismo indicativo, com evidente perda de força do Estado frente a pressão dos investidores privados, afetada ainda mais pelo enfraquecimento da legislação ambiental, processo resultante da crise energética atual.

Nesse contexto, o governo busca a implementação do Programa Prioritário de Termeletricidade - PPT, aumentando a participação dos combustíveis fósseis (gás natural e carvão) na geração de energia elétrica, aumentando a dependência tecnológica e econômica do país.
A questão das mudanças climáticas e sua relação com a matriz energética passou a ser relevante, considerando-se conjuntamente os sistemas de transporte e de geração de energia. Tanto a posição do governo brasileiro quanto dos agentes financiadores é controversa no que tange as negociações do Protocolo de Kyoto, sendo oposta a uma visão de projeto de desenvolvimento sustentável, que é objeto dos acordos e regimes internacionais relacionados aos processos da Rio+10.

O grupo propõe que as posições e plataformas possua uma visão crítica do modelo atual e suas tendências futuras considerando os aspectos tranversais.
Do ponto de vista da vulnerabilidade ambiental, a rápida diversificação da matriz energética nacional, sobretudo a utilização do gás natural e do carvão, colocará o país como um grande contribuidor de gases de efeito estufa. Os impactos sócio ambientais dos megaprojetos hidrelétricos já demonstrou seu papel na exclusão social, impulsionando importantes movimentos sociais na última década.

No que diz respeito a equidade social o modelo de privatização e suas consequências (aumento das tarifas, perda de rendas geradas pelo Estado, insegurança na oferta do serviços essenciais) estabelece um quadro de grande retrocesso sócio-econômico.
A lógica da globalização e comércio internacional impõe ao país a necessidade de compras de insumos e equipamentos importados acentuando a fragilidade das contas públicas.
O padrão/volume de financiamento para o desenvolvimento sustentável não atende as alternativas energéticas renováveis.
Além disso, o grupo propõe que seja enfocado a questão das eficiências macro, regional e local na matriz energética no que diz respeito a geração, transmissão e consumo, tendo como meta a implementação do desenvolvimento sustentável.
Também, deve-se considerar a demanda de energia e identificar grandes consumidores e setores beneficiados com o atual modelo, no qual a exportação de energia através de produtos que utilizam enormemente recursos naturais se dá num contexto de distribuição desigual dos benefícios e dos impactos gerados.

As estratégias do grupo passam pela (i) mobilização da população através do aumento da conscientização crítica do modelo energético, (ii) abertura dos espaços e processos de controle social para retomada do papel diretivo do Estado, como responsável pelo planejamento energético sustentável que deva estar a serviço do povo e contemple a sua participação, (iii) monitoramento dos processos internacionais para subsidiar as discussões e reforçar a pressão para implementação de políticas públicas e ações para a promoção da sustentabilidade do setor energético e (iv) reforço da comunicação e a troca de experiências entre os setores da sociedade civil sobre os temas energia e mudanças climáticas.

Mudanças climáticas

A questão do clima começou a ganhar importância a partir de 1992 com a formação da Rede Clima Brasil. Essa articulação possuía poucas entidades as quais tinham muito pouco a contribuir para o debate. Em 1997, várias ONG`s começaram a se envolver na questão, associando-a, entre outros aspectos, a temas relacionados a água, saúde e a Amazônia.
Com a criação do Forum Mundial de Mudanças Climáticas pelo governo brasileiro, entidades governamentais e empresários passam a participarem mais ativamente no debate, em detrimento da ONG`s.

Contudo, a questão do clima está cada vez mais presente e a participação das ONG`s deve se dá tanto na mudança da posição dos EUA frente ao Protocolo de Kyoto quanto na pressão sobre os demais países visando a assinatura/ratificação do referido documento - o Brasil assinou o Protocolo mas, deve ratificá-lo oficialmente, o que deve ocorrer a partir da definição de regras dos mecanismos de desenvolvimento limpo - MDL.
Com respeito ao MDL, manisfestou-se uma preocupação quanto a definição da plantação de eucalipto como mecanismo de desenvolvimento limpo. Além disso, criticou-se a realização de pequenos projetos de MDL - é necessário serem definidas grandes linhas para implementação desses mecanismos.

Constatou-se também grandes problemas de comunicação e troca de informações sobre a questão das mudanças climáticas.
Enfatizou- se a necessidade de capacitar para mobilizar.
Afirmou-se que a questão climática engloba outros aspectos tais como florestas, biodiversidade, etc., e cada país tem uma contribuição específica: no caso do Brasil, o padrão do uso do solo e floresta é determinante; nos EUA, o consumo dos combustíveis fósseis constitui-se no aspecto crítico.

A participação da sociedade civil deve ocorrer tanto nos mecanismos do Protocolo e nos processos decisórios (GEF, flexibilidade e Mecanismos de desenvolvimento limpo) e na realização de projetos como nos processos de comunicação e nas discussões ligadas às florestas. Com isso, pretende-se trazer a questão do clima para o dia a dia e fazer um link com a sustentabilidade das cidades (transporte, ciclovias, habitação, energia, etc.). A questão climática envolve não só energia, como transportes, florestas, saúde, águas, etc.

Questionou-se acerca de qual seria a política brasileira sobre as mudanças climáticas, devendo-se se definir internamente uma política que deverá subsidiar a postura do país no plano internacional.
Deve-se ter um visão clara das políticas brasileira e internacional relacionadas ao quadro das mudanças climáticas, devendo-se avaliar a evolução das negociações do clima (processo desde 1992, lobby anti-clima de 1995, eventos mais recentes, etc).
O contexto atual e no Rio+10 deverá ser preponderantemente político, ao invés de possuir unicamente um caráter técnico, especialmente devido ao presente contexto mundial.
Alguns pontos críticos devem ser considerados, tais como: a inclusão de florestas no MDL, a não consideração dos povos indígenas e populações tradicionais nas questões referentes as florestas.
Conclui-se que o padrão de consumo é crucial, existindo uma crise sócio-econômica e ambiental. Portanto, não devendo ser resumida como uma crise energética conjuntural.

2. Consenso:

- Contra as instalações de unidades de geração de energia termonuclear e termeletricidade a carvão;
- Contra a instalaçao de grandes empreendimentos hidrelétricos;
- Atenção para os pequenos e médios empreendimentos hidrelétricos e seus impactos sócio-ambientais;
- Necessidade de reflexão acerca do padrão de consumo/demanda energívora da sociedade;
- Necessidade do estabelecimento efetivo do controle social do setor energético e da retomada do papel diretivo do Estado no planejamento energético-ambiental regional que potencialize as opções de menor impacto sócio-ambiental na geração de energia e as fontes alternativas.

3. Estratégias:

- Mobilização e participação da sociedade;
- Monitoração dos regimes internacionais como subsídio e pressão política as questões de energia e mudanças climáticas; e
- Comunicação, informação e conscientização das populações.


4. Propostas:

- Responsabilizar o Estado e acionistas das empresas transacionais pelos danos sócio-ambientais dos empreendimentos energéticos;
- Incorporar o discurso da dívida ecológica (passivos ambientais);
- Cobrar que os governos assinem e/ou ratifiquem o Protocolo de Kyoto na Rio+10;
- Rearticular uma Rede de Clima (Cidades, energia, águas e floretas);
- Criação de grupo de trabalho;
- Criação de mecanismos de financiamento para viabilizar a participação da sociedade civil nos fóruns e eventos;
- Pelo imediato rompimento do acordo Brasil-Alemanha e o estabelecimento de outros acordos de cooperação científica e tecnológica contemplando principalmente o desenvolvimento de tecnologias limpas e de produção de energia menos poluentes e degradadoras;
- Propõe-se a criação de um jornal para divulgar eventos, debates, discussões e manifestões sobre as questões de energia e mudanças climáticas;
- Que a análise dos impactos dos projetos avaliem o carater cumulativo e não se dê de forma isolada;
- Pelo direito de autoderminação das comunidades sobre a instalação de projetos de geração de energia de grande impacto, tornando os processos de participação, como as audiências públicas, não apenas consultivo, mas deliberativo;
- Que os projetos de geração de energia priorizem as fontes alternativas e a geração descentralizada contemplando as potencialidades naturais de cada região, a redução das perdas e projetos de aumento de eficiência e conservação energética;
- Criação o mais rapidamente possível de um GT voltado para o tema de mudanças do clima no qual todas as entidades ligadas ao Forum de ONG`s, movimento sociais possam participar;
- Que a articulação acima citada tenha como missão fundamental o envolvimento de organizações da sociedade civil na formulação e implementação de políticas e ações de desenvolvimento sustentável apropriadas para a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático em prazo suficiente que permita os ecossitemas adaptarem-se naturalmente a mudança de clima, que assegurem que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável;
- Ainda referente ao GT proposto (Clima), que ele capacite as organizações da sociedade civil visando a compreensão dos fenômenos de mudanças de clima, de suas causas e efeitos, e opções políticas, econômicas, ambientais e sociais para a sua prevenção e mitigação; e
- As entidades participantes do referido GT deverão ser respeitadas no que diz respeito a sua autonomia interna, especialmente quanto ao exercício democrático e de livre manifestação e, portanto, adote os procedimentos adequados para que a eventual adoção comum e coletiva de posições esteja baseada em quesitos como consensos, transparência e legitimidade.


5. Agenda:

- Dia 29 de outubro de 2001: reunião do GT Energia na sede da SOS Mata Atlântica - São Paulo (a ser confirmada);
- O MAB programa a partir do dia 29 de outubro de 2001 grandes mobilizações nacionais e ocupações de obras de hidrelétricas - no Rio de Janeiro as mobilizações incluirão também os empreendimentos de Angra III, UT Sepetiba (a carvão) e a Média central hidrelétrica de Itaocara;
- Participar nos eventos e oficinas do Forum Social Mundial (temas Rio+10, energia e clima e oficinas) de 31 de janeiro a 05 de fevereiro de 2002 - Porto Alegre (Inscrições até 22 de outubro de 2001);
- Discussão dos megaprojetos de energia financiados pelas Instituições Financeiras Multilaterais no Encontro do BID em março de 2002 - Fortaleza;
- Mobilizações do MAB ocorrerão em 14 de março de 2002 - dia internacional de luta contra as barragens - tornar esse um dia de luta nacional por um modelo energético sustentável
- Participar nos eventos sobre discussão das cidades sustentáveis levando os temas de energia e mudanças climáticas
- Mobilizações paralelas a Rio + 10 nas grandes cidades brasileiras - setembro de 2002

Relator:
Georges Souto Rocha / GERMEN - Salvador Bahia / grocha14@hotmail.com

Assessoramento:
Leonardo Fernandez C. Barcellos / USU / Biologia - RJ / woodtuca@hotmail.com

Coordenação do GT Energia:
Lúcia Schild Ortiz / Núcleo Amigos da Terra / Bral / Coalizão Rios Vivos foebr@cpovo.net